domingo, 29 de setembro de 2013

Dicas de Leitura #10



 
O Dicas de Leitura dessa semana começa com uma pergunta: Você tem interesse pela cultura africana e pelas mulheres que construíram essa história?!
Se  a resposta for sim, você pode encontrar diversas histórias de heroínas africanas no livro Princesas Africanas, uma obra composta por diversos contos assinados por vários autores.


“Além de Anastácia, tivemos no Brasil a

princesa Alafiá, que veio para nosso país em

um navio negreiro junto com sua família e

muitos irmãos negros, sequestrados do reino

de Daomé, um reino africano situado onde

agora é o Benin. Naquela época, ela tinha

apenas doze anos de idade. No Brasil, foi

viver numa fazenda, onde foi mucama de

uma sinhazinha. Sempre quando conseguia,

Alafiá ia à senzala ver se algum de seus

irmãos negros necessitava ajuda, mas a liberdade

era tudo o que seu povo mais queria...” 
 

Trecho do livro

 
Para ter acesso ao livro na íntegra e de graça, clique AQUI.

E boa leitura.


Fonte: Gira SP
 

sábado, 28 de setembro de 2013

O Rio de Janeiro continua lindo e sem saber Onde está o Amarildo!

Já se passaram dois meses do desaparecimento do Amarildo, ele era tantas coisas, tinha tantas funções importantes para sua família e amigos, que não temos como descrever ele apenas como esposo ou pai. Por dois meses, a família vem sofrendo a procura do corpo, já sabendo que a UPP da Rosinha, não o prendeu e sim executou.
Com relatos verdadeiros, e de pessoas que buscam por resposta, foi lançado o documentário "Eu, um Amarildo", realizado no Rio de Janeiro com direção e edição de Rômulo Cyríaco, as imagens esclarece o que aconteceu com Amarildo no inicio da abordagem dos policiais da UPP da Rocinha, e a violência policial que família dele vinha sofrendo, e sofreu após o desaparecimento.




Importante perceber, que em todo o momento, a família do Amarildo não só pergunta por ele, mais pelos tantos que somem a cada dia na Rocinha, e a forma que a UPP vem (des)tratando os moradores, relatam que um verdadeira guerra começou com a chegada da Unidades de Policia Pacificadora, e como fala o mestre Ba Kimbuta "Pacifica com tiro não dá para crêr...". Já é mais que na hora de dialogarmos sobre o papel que a policia vem desempenhando no Brasil, a toda a chacina contra o povo preto, não só no Rio de Janeiro mas em todo os outros estados, cada dia lutamos para sobreviver, porque viver tornou privilegio de poucas pessoas, estamos sujeitos a essa situação, somos pretos, somos pobres, trabalhadores e moramos nas favelas, somos Amarildos.

Assista, compartilhe nas redes sociais, repasse na escola/faculdade/cursinho, vamos continuar gritando e incomodando o governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, queremos uma resposta, a família do Amarildo precisa de uma resposta... Onde está o Amarildo?


Link para assistir o documentário "Eu, um Amarildo"

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/videos/videosoi/eu_um_Amarildo







quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Porque ter uma boneca negra?


* Tradução do artigo Why Black Dolls Matter  por Mabia Barros para o Blogueiras Negras




Quando era uma garotinha, Samantha Knowles nunca parou para pensar porque a maioria das bonecas que possuia – American Girl (tem bonecas como a nossa Amiguinha e outros modelos de bebê), Cabbage Patch Kids (são como a Moranguinho), Barbie – eram negras como ela. Mas bonecas negras não eram muito comuns na sua terra natal, o norte do estado de Nova York, cuja população continua avassaladoramente branca. Então quando Samantha tinha oito anos, uma de suas amigas inocentemente a perguntou “Porque você tem bonecas negras?”. E ela não soube bem o que responder.

Mas a pergunta marcou a garota e, na faculdade, ela começou a pensar como ela deveria responder à essa pergunta agora adulta. Finalmente, como uma graduanda em cinema na Universidade Darthmouth, ela conheceu um grupo pequeno mas apaixonado de entusiastas das bonecas negras que costumam colecionar e expor bonecas por todos os Estados Unidos, e para a sua monografia, Knowles, então com 22 anos, concluiu o documentário chamado “Why Do You Have Black Dolls?” (Por que você tem uma boneca negra? – em tradução livre) para articular a resposta.

O que a cineasta do Brooklyn não sabia é que sua mãe queria tanto que as filhas, Samantha e Jillian, tivessem bonecas de sua própria raça, que ela enfrentou longas filas nas lojas e fez encomendas para garantir que ela conseguisse uma das poucas versões negras disponíveis no mercado. “Meus pais fizeram questão de nos dar um monte de bonecas negras com uma gama enorme de estilos e formas”, diz Samantha Knowles. “Nós não tivemos apenas bonecas negras, mas a maioria delas era negra. Depois de começar a trabalhar no filme eu conversei muito com minha mãe e ela dizia ‘Ah, você não imagina o que eu tive que fazer para conseguir algumas dessas bonecas!"

Muitas das entusiastas das bonecas negras, como Debbie Behan Garrett, autora do livro “Bonecas negras: Um Guia Completo para Celebrar, Colecionar e Experimentar a Paixão” (“Black Dolls: A Comprehensive Guide to Celebrating, Collecting, and Experiencing the Passion” – sem tradução no Brasil) sente o mesmo que a mãe de Samantha.

“Sou categórica sobre uma criança negra dever ter uma boneca que reflita quem ela é”, diz Garret. “Quando uma criança pequena está brincando com uma boneca, ela está imitando ser mãe, imitando o que vê em casa, e nos seus mais tenros e impressionáveis anos, eu quero que a criança entenda que não há nada de errado em ser negra. Se as crianças negras são forçadas a acreditar que a pele branca é melhor, ou que seja apenas a ela que tenham acesso, então elas podem começar a se perguntar ‘O que há de errado comigo?’”

O documentário de Samantha Knowles estreou em outubro passado no Reel Sisters of the Diaspora Film Festival na cidade de Nova York, onde ganhou o prêmio Reel Sisters Spirit. No filme, a criadora de bonecas Debra Wright diz que quando as garotinhas veem suas bonecas, elas gritam felizes “Olha só o cabelo dela! É igualzinho ao meu.”

Pesquisas mostram que este ponto de vista sobre bonecas é real. Em 1939 e 1940, os psicólogos negros Kenneth e Mamie Clark conduziram um estudo em que eles mostravam a crianças negras duas bonecas, quase idênticas, exceto que uma era branca, tinha cabelos louros e olhos azuis e a outra tinha pele negra e cabelo preto. Os pesquisadores perguntaram às crianças qual das bonecas era legal, qual das bonecas era bonita, qual das bonecas era inteligente, qual das bonecas elas preferiam brincar, etc., e as crianças majoritariamente escolheram a boneca branca como a que tinha atributos positivos.

Quando a estudante de cinema Kiri Davis conduziu um estudo semelhante com bonecas em 2005 e quando a CNN perguntou a crianças negras sobre desenhos com várias cores de pele em 2010, ambos tiveram um resultado quase idêntico ao estudo de 1940. Mas em 2009, quando foi feito uma réplica do estudo original pelo programa da ABC, Good Morning America, este mostrou mais crianças negras preferindo bonecas negras.

O filme entrevistou uma mulher chamada Debra Britt, que era a única garota negra na sua escola na cidade de Dorchester, Massachusetts nos anos 1950, e que cresceu cuidando de uma boneca bebê branca. Então a avó de Britt se intrometeu e começou a pintar bonecas brancas de marrom para a sua neta, além de ensinar como fazer bonecas africanas  de tecido utilizando cabaças e maçãs. “Minha avó vivia repetindo ‘Você não sabe de onde vem e precisa saber.’” Diz Debra. “E então ela me fez uma boneca de pano africana (inspirada em divindades femininas) e me contou a história da população negra.” Hoje em dia Britt comanda o Museu Nacional da Boneca Negra.

Bonecas – feitas à mão para parecer com as crianças que as amam ou com as divindades que seus pais adoravam – são encontradas por todo o mundo, em todas as culturas, todas as raças, desde tempos remotos. Na América (EUA) primitiva, todos, incluindo os escravos, faziam suas próprias bonecas. Nas grandes fazendas do sul, escravos deixavam que seus filhos colocassem um seixo em seus bonecos para representar cada medo ou preocupação e aliviá-los do peso de suas rotinas.
As primeiras bonecas manufaturadas em meados de 1800 foram produzidas na Alemanha e na França, países que dominaram a industrialização de bonecas de porcelana e biscuit no mundo ocidental por décadas. Mesmo as primeiras bonecas norte-americanas tinham cabeças e mãos produzidas na Alemanha.

Não surpreende, então, que o ideal de beleza branco aristocrático da Europa tenha monopolizado o mundo das bonecas, apesar de ocasionalmente bonecas negras aparecerem entre as “belezas exóticas” de dançarinas ou personagens de ópera. Apesar de os escravos terem sido libertos em 1860 nos Estados Unidos, a maioria das famílias negras não podiam pagar pelas bonecas de porcelana europeias, que eram um item de luxo disponível para os muito ricos.

Os objetos que representam caricaturas racistas hoje conhecidas como “blackamore” ou “black Americana” cresceram no pós-guerra civil com os shows dos chamados “black faces”, onde afro-americanos eram mostrados como simplórios, com cabeças grandes parecidas com melancias achatadas, olhos arregalados e lábios vermelhos bem grandes. Essas caricaturas foram parar em livros infantis, como a série britânica “Golliwogg”, que continha várias black faces, que inclusive se transformaram em bonecos. A empresa de bonecos e livros infantis The Nancy Ann Storybook Doll Company fez personagens da história “A cabana de tio Tom” e a Reliable Doll Company foi uma das muitas que fez a Topsy, cuja característica principal era três nós de cabelo.

Mas ainda em 1910, ativistas precursores dos direitos civis Marcus Garvey e R.H. Boyd estavam brigando contra estes estereótipos. Boyd começou a sua companhia nacional da boneca negra (National Negro Doll Company) em 1911, importando porcelana fina europeia na cor marrom e vendendo nos Estados Unidos até que a empresa faliu em 1915.

O final da 2ª Guerra Mundial levou aos Estados Unidos um boom de empresas de produção de plástico desenvolvido durante a guerra. De repente, bonecas de vinil e plástico duro eram baratas e fáceis de produzir nas fábricas. Mas para a produção em massa de bonecas de plástico era tão simplificada que, para os empresários, fazer moldes especiais com características afro-americanas era um custo desnecessário. É por isso que as bonecas de plástico e vinil eram brancas. As bonecas negras que eram vendidas por empresas como Horsman ou Terri Lee eram na maior parte das vezes bonecas brancas pintadas de marrom. “Você não podia olhar para a boneca e classificar como uma representação verdadeira de uma pessoa negra”, diz Garret. “Por que era apenas uma versão marrom de uma boneca branca.”

A única exceção para a regra da boneca branca pintada de marrom nos anos 1950 era a Sara Lee, que foi criada por uma mulher branca chamada Sara Lee Creech, que tirou mais de 500 fotografias de crianças negras para que a sua boneca tivesse o rosto correto. Ideal Toy Company vendeu a boneca de vinil entre 1951 e 1953, mas estas são quase impossíveis de achar agora.

A boneca de vinil mais famosa, Barbie, que apareceu para o mundo em 1959, ganhou uma prima chamada Francie em 1966, explica Britt. Em 1967 a Mattel produziu a boneca Francie como uma mulher negra, mas ela não vendeu bem. Em 1968 a Mattel fez outra boneca negra, Christie, provavelmente feita por uma alteração no molde da amiga branca da Barbie menos glamorosa, Midge, que foi aceita como companheira da Barbie. Em 1969 eles apresentaram a Julia, inspirada no programa de TV “Julia”, em que Diahann Carroll interpretava uma enfermeira negra viúva. Foi só em 1979 que a Mattel se sentiu segura o suficiente para lançar uma Barbie oficial com a pele negra.

Desde a década de 1990, opções para pais que queiram comprar bonecas negras para suas filhas tem sido levemente estreitas. Houveram alguns esforços nobres, incluindo a Big Beautifil Doll, a primeira boneca gorda (full-figured), criada por Georgette Taylor e Audrey Bell em 1999; o desiner negro Byron Lars do African American Barbies, para a coleção de Barbies negras feitas entre 1997 e 2010; e a linha So In Style da Stacey McBride-Irby para a Mattel, lançada em 2009. Stacey passou a lançar o The One World Doll Project, com bonecas para brincar e para exposição multiculturais. Já em 2003, Salome Yilma liderou a fundação das EthiDolls, que eram feitas baseadas na imagem de mulheres africanas que foram líderes históricas e vinham com um verdadeiro livro com histórias de vida.

O museu de bonecas negras (The Black Doll Museum) utiliza bonecas para educar os visitantes sobre os momentos sofríveis e os inspiradores na história negra americana, que contém lições para americanos de qualquer raça. A mensagem é similar a do documentário de Samantha Knowles, “Why Do You Have Black Dolls?”: Porque bonecas nos dizem quem somos.


Veja o trailer do documentário:



Fonte: Blogueiras Negras
em 16 abr, 2013

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Dicas de Leitura #9

Hoje no Dicas de Leitura compartilhamos com vocês o livro que ganhamos de presente do Coletivo Mujeres Creando em nossa ida ao Perú em março desse ano, intitulado "Sexo, Placer y Sexualidade - Manual para conecer tu sexualidad por ti mesma" (Sexo, Prazer e sexualidade- Manual para conhecer tua sexualidade por você mesma). No livro, as autoras Julieta Paredes e Maria Galindo conversam de forma natural e realista sobre a sexualidade, como um ponto muito sensível em cada ser humano, razão pela qual o racismo, o condicionamento cultural, as normas de gênero e o machismo,estão presentes nas experiências do nosso próprio corpo, sendo esses os motivos que destacam nós, mulheres como rebelde e subvertida, quando conhecemos nosso funcionamento.



Sobre as autoras

Julieta Paredes e Maria Galindo, ambas psicologas, militantes feministas, investigadoras, poetisas e integrantes do movimento autônomo feministas Mujeres Creando, que atuam ativamente na Bolívia.
 "Este livro é uma informação caderno e obra de auto-ajuda sobre o tema da sexualidade das mulheres" , explica Juliera Paredes,  o livro esta no idioma de origem das escritoras, espanhol, mas a leitura é fácil, por não conter termos técnicos, é possível ler e compreende-lo claramente."O Comunidad Mujeres Creando tem diversas publicações e grandes trabalhos ativistas com base no feminismo comunitário, feito por mulheres de idades diferentes, mas de realidades bem semelhantes.

Para conhecer mais sobre a comunidad Mujeres Creando
http://www.mujerescreando.org/


domingo, 22 de setembro de 2013

A chegada das Flores


Caíram muitas folhas, muitas pétalas, e muitas ervas daninha queriam nos sufocar! Agora chegou nossa estação!!!
A primavera é a estação do ano que se segue ao Inverno e precede o Verão. É tipicamente associada ao reflorescimento da flora e da fauna terrestres. No hemisfério sul é chamado de “Primavera austral”, e tem início a 22 de setembro e termina a 21 de dezembro.
E esse reflorescimento acontece ainda mais rápido em nosso Coletivo, hoje tem reunião decisiva da equipe de produção do FloreSendo Ideias – Juventude, Hip Hop e outras Conversas. Isso mesmo, reunião do Coletivo Flores Crew e Coletivo Primeiro Degrau nosso grande parceiro.
Nossa Primavera Astral promete muitas novidades, e muita energia positiva, se liga no nosso blog e acompanhe o andamento do evento mais florido de Pernambuco.

Feliz Primavera!

domingo, 15 de setembro de 2013

Dicas de Leitura 8


O Dicas de Leitura dessa semana trás o romance produzido por uma dos grandes ícones do Hip Hop brasileiro A Sociedade do Código de Barra - Preto Ghóez nos brinda com um romance que confirma que nós somos do tamanho de nossa aspiração.




Sobre o Autor 


Muitos passaram a conhecer Preto Ghóez após divulgação do  prêmio que leva o nome do rapper maranhense – morto aos 33 anos de acidente de trânsito em Itajaí, Santa Catarina, dia 10 de setembro de 2004. Márcio Vicente Góis, o Preto Ghoez, dizia ter iniciado sua atuação influenciada pelas músicas dos Racionais MC e pela biografia de Malcolm X (com cujo nome batizou seu filho).

Dentro do hip hop, militou por oito anos, a partir de 1993, no Quilombo Urbano, de São Luís (MA), uma das organizações mais politizadas e atuantes do movimento, e fez parte de vários outros grupos, como o Skina e o Milícia Neopalmarina. Mais recentemente, estava no Clã Nordestino, lançando o CD “A peste negra do Nordeste”.

Sintonizado com vários aspectos da vida do país, Ghoez estava finalizando o livro Sociedade de barra e articulando o MHHOB (Movimento Hip Hop Organizado do Brasil), além de militar no Favelafro, uma organização que surgiu de uma ruptura – provocada por questões políticas fonográficas – de parte do Quilombo Urbano e do Clã Nordestino.

Preto Ghóez – Clã Nordestino – Todo Ódio a Burguesia
Uma das últimas iniciativas de Ghoez foi a participação em uma reunião com Lula e outras expressões do hip hop, no início do ano, que provocou uma série de críticas de setores contrários ao atrelamento do movimento aos projetos do governo e abriram uma intensa polêmica sobre o tema.

Polêmicas que, contudo, não fizeram com que fosse esquecida sua importante atuação guerreira na construção do hip hop e na organização da juventude negra e favelada na luta tanto contra o racismo quanto contra o sistema. Preto Ghóez era ativista cultural e social e, depois de ter tido uma infância difícil e ter passado pela FEBEM, construiu um movimento a partir de sua música, o Hip-Hop.

Vocalista do grupo Clã Nordetino, uma das organizações nacionais do setor. Foi idealizador, em parceria com o MinC, do projeto Fome de Livro na Quebrada e participava de um grupo de trabalho a fim de desenvolver parcerias entre o governo e o Movimento Hip hop.


Fonte: Rap Nacional

sábado, 14 de setembro de 2013

O papel da mulher e a sexualidade em Kirikou e a Feiticeira



Por CELUY ROBERTA HUNDZINSKI *

Enviado por: Antônio Ozai da Silva

O diálogo cultural africano, travado na obra Kirikou e a Feiticeira, de Michel Ocelot, pode ser interpretado numa dimensão mais ampla, no tempo e no espaço, estendendo-se até nossos dias e a todos os continentes. Nas personagens principais, podemos observar as conseqüências dos atos masculinos incutidos nas mulheres. Temos duas visões divergentes (da mãe de Kirikou e da feiticeira Karabá) que, porém, apontam para o mesmo objetivo: a afirmação feminina enquanto indivíduo livre e independente.

Considerando a visão de Michelle Perrot, em sua obra "Les femmes et les silences de l'Histoire" [1], observamos que a História das mulheres foi sempre contada sob o ponto de vista do homem. O que se tem de menos influenciada é a oralidade privada, domínio em que as mulheres sempre puderam interferir e o fizeram de maneira marcante junto aos filhos e às crianças em geral [2]. "A memória das mulheres é verbo. Ela está ligada à oralidade das sociedades tradicionais que lhes confiavam a missão de narradoras da comunidade do vilarejo." (PERROT, 1998, p. 17). [3]

Constataremos isso na mãe de Kirikou, primeira personagem da qual falaremos. Algumas vezes definida como dócil, silenciosa e, justamente por isso, fraca é, na verdade, a mulher que define todo o enredo, a que produz o Herói, não somente por tê-lo gerado, mas pela maneira como se refere a ele.

Desde o momento do parto, a mãe ordenou que ele nascesse e se lavasse sozinho, dando mostras de que o Herói, para sê-lo, precisa ser independente. A própria independência que ela adquirira, mesmo fazendo parte de uma sociedade com papéis estritamente bem definidos entre o homem e a mulher. Daí, podemos extrair, também, que vivendo sozinha e seu marido tendo sido "roubado" pela feiticeira, ela desenvolveu atitudes ditas "masculinas", como a administração de sua tenda, de seu filho, sem interferências diretamente externas.

Poderíamos dizer que ela não se preocupava com a opinião alheia. O modo com que pensava e agia demonstrava a inteligência e a sapiência obtida pela experiência de vida. Era preciso sobreviver, tornar-se uma Heroína, com todas as características de uma mulher forte, contrariamente ao que se observa, por leigos, num primeiro olhar.



[Veja também: Plano de aula - Kiriku e a Feiticeira]

Assim, a personagem identifica-se com as mulheres do dia-a-dia, ditas "comuns", que cuidam da casa, preparam a comida, educam os filhos com sabedoria, calma, interiorizando os acontecimentos para que deles tirem a lição de vida. Sensatas e decididas. Mulheres abandonadas pelos cônjuges, viúvas, sozinhas ou, ainda, as "viúvas de maridos vivos". [4] Todas que, de uma forma ou de outra, não entregam-se às adversidades, mas as controlam para que sejam vencedoras.

Até na hora do nascimento de Kirikou, ou do instante em que pensou que ele morreu, o semblante da mãe era sereno e firme. Além disso, a primeira pessoa de quem ela falou para o filho foi de Karabá, a feiticeira, mostrando que não temia os inimigos e insinuando que ele era o "enviado" para salvar a aldeia. A idéia geral é que ele tem uma missão, podemos compará-la à de Jesus [5], onde a reação materna não difere muito da de Maria, no intuito de passar a idéia de que as mães devem, sempre, usar de sensatez, sabedoria e aceitação, sem esquecer, ainda, a preciosidade do silêncio.

Kirikou, logo após a vir ao mundo, questionou a mãe sobre seus familiares, todos homens, não interessou-se pelas mulheres, já instigando o conflito da obra: os homens que partem combater a feiticeira, são "comidos" por ela e nunca mais retornam aos seus lares.

A fortaleza e a capacidade de conduzir da mãe são inabaláveis, foi ela quem o informou sobre tudo o que acontecia na aldeia (transmissão da cultura geral pela oralidade) e quem lhe mostrou os problemas, como a fonte maldita. Ela o levou consigo, na ocasião da entrega do ouro à feiticeira, e não interferiu quando ele questionou a "Venerada", ainda que outras mulheres os reprovassem. Mesmo no momento em que ela estava inclinada, por terra, defronte ao poder, demonstrou, por seu porte e movimentos, um ar superior em sabedoria. Indicou, também, o caminho que devia ser traçado até e além dos domínios de Karabá.

As mulheres do vilarejo não tinham mais esperança e mostravam-se rendidas [6], somente a mãe de Kirikou não se deixava levar, no entanto, sugeriu isso em silêncio, revelando-se tão grande e imponente quanto a "Poderosa".

Observamos, claramente, no decorrer da obra, o sentido sexual translúcido nas ações. Antes de partirem para entregarem as riquezas, o bebê pede à mãe para ir junto, ao que ela responde: "– Você já é como os homens: quer ver Karabá, a feiticeira." Demonstrando ser algo, estritamente, normal. Anteriormente, ele fora ao encontro de seu tio, com a intenção de ajudá-lo. A mãe, evidenciando que isso já estava traçado (porque ele é um homem) e querendo fazer valer o livre arbítrio, não o impediu.

Não obstante, quando o pequeno encontrou o tio, último homem da aldeia, que caminhava para encontrar-se com Karabá, escutou a afirmação de que o que iria acontecer não era algo para as crianças. É possível interpretarmos esse acontecimento como o ato sexual, que é o que se pode entender nas entrelinhas de todo o texto. Kirikou mostrou ter compreendido isso quando, face ao monstro da fonte, pensou em pedir ajuda ao tio, mas reconsiderou sua idéia, afirmando que ele não podia passar pela "porta estreita" para entrar na gruta, porque ele era grande, isso devia ser feito por alguém que é pequeno. Evidentemente, só uma criança livre de desejos poderia vencer o mal.

É num momento de repouso do menino que a mãe instigou uma reflexão sobre a maldade e o poder, fazendo com que o filho conhecesse a idéia estrutural e política da sociedade e da humanidade, em que, normalmente, o mais poderoso oprime fazendo com que os outros sofram. 



Diante deste contexto, era preciso um coração puro, uma criança, para não ceder aos encantos de tal dama. [7] A mãe acreditou na capacidade de Kirikou, em sua astúcia, pois, além de tudo, ela o fizera assim e sabia que a união de um coração imaculado e da sabedoria dos anciãos (no caso, seu avô) podia fazer "milagres". Foi, justamente, o portador de tal sabedoria que veio desmistificar a personagem de Karabá, possivelmente, porque ele havia ultrapassado a idade onde os desejos carnais falam mais forte, podendo, desta forma, ver as coisas de maneira clara, tais quais elas são. Mesmo quando afirmou que ela era malvada, houve uma explicação para o fato.

Outro tipo de mulher, apresentado na obra, é a que se diz esperta, mas não se mostra muito inteligente. Essa personagem aparece sempre dando opiniões incabíveis, maus conselhos, reclamando, ou tentando enganar, como no caso da recolhida do ouro. Entretanto, foi ela quem anunciou a boa nova de que a água voltou, confirmando a característica de quem fala muito: nem sempre fala coisas sábias ou aproveitáveis, mas está, constantemente, bem informado para poder passar adiante.

Tal personagem apresentou-se no primeiro lugar da fila, no momento de entregar o ouro para a feiticeira, contrariamente à mãe do Herói, posicionada em último lugar. Essa imagem simboliza a humildade, vista como fonte de sabedoria, contra a falsidade de quem está enganando mas não quer ser desvelada. "Assim, pois, os últimos serão primeiros e os primeiros serão últimos." (Bíblia Sagrada, Mat. 20, 16).

Finalmente, o terceiro tipo de mulher, é Karabá. Qualificada, nas falas, como esplêndida, venerada e honrada, porém, mostrando-se autoritária, ditadora e malvada. Quanto ao físico, era bonita e vaidosa, cheia de ornamentos. Exatamente as características atribuídas às prostitutas, que devem estar sempre belas; são descritas, pelos amantes, como esplêndidas e honradas, mas pela sociedade em geral (ou mesmo por eles, quando encontram-se em público), são tachadas de malvadas por "roubarem" os homens das mulheres, e de "autoritárias" porque fazem deles "o quem bem querem".

Temida, robotiza os homens, fazendo deles objetos que obedecem. Kirikou podia afrontá-la, pois sabia que, sendo pequeno, seria capaz de entrar onde nenhuma outra pessoa poderia. Ademais, ele não a temia estando ciente de que quanto mais o povo tinha medo, mais ela tornava-se poderosa. Não se pode dizer que ele é uma criança, mas que se fez assim para cumprir seu desígnio. Como prova, temos sua transformação no final da história.

Se considerarmos o fundo sexual da temática, podemos afirmar que ela não gostava das crianças porque sabia que seu poder sobre elas era limitado; da mesma forma, detestava as mulheres, pois julgavam-na atrapalhando suas relações com os homens. Desprezava os seres masculinos, por lhe terem "feito mal": temos, aí, a idéia implícita de que fora violentada. Os homens "fincaram-lhe um espinho" que a fazia sofrer imensamente, ao ponto dela não ter coragem de pedir para alguém arrancá-lo. Dificuldade comparável às que os seres humanos têm para tocar nas feridas emocionais.

O avô explicou que ela não era uma feiticeira, mas alguém que tem uma reação provocada por uma ação. Essa reação não era boa porque a ação também não fora. A partir do momento em que ela se livrou do sofrimento, pôde voltar a ter bons sentimentos, uma mulher livre, sem problemas com o sexo oposto.

Para que isso acontecesse, temos um ponto importante a considerar: a cólera de Karabá diante do roubo das jóias implicou na decisão de primeiro recuperá-las, para depois preocupar-se com Kirikou. Esse ato deu forças à futilidade, à vaidade e à avareza, sentimentos que a emboscaram.

Ao livrar-se do mal, ela gritou, com tal intensidade que se fez escutar na aldeia. Esse grito representa o de todas que foram, de um jeito ou de outro, oprimidas pelos homens, violentadas, que carregaram, durante anos, um espinho nas costas, revoltando-se, às vezes, mas sem ter a coragem de dar o verdadeiro grito de liberdade. Aquele que veio romper o silêncio das mulheres e transformar a opressão, o ódio, em amor. Elucidando a vitória, ainda que depois de muita angústia.

Foi, nesse momento, que Karabá encarnou a verdadeira feiticeira, ela não tinha poderes sobrenaturais, todavia, o feitiço era o amor e, através dele, por um beijo, transformou Kirikou em um homem. Antes, contudo, ela resistiu, dizendo que sendo ou não feiticeira, não seria empregada de ninguém. O apaixonado contestou dizendo que não faria dela uma empregada, e ela retruca falando que todos os homens dizem isso antes de casar. O menino a convenceu de que era diferente dos outros homens e cresceu, indicando, nada mais, nada menos, que perdeu sua virgindade e que, pelo amor, pôde curá-la da dor, ensinando-lhe como é uma relação sadia entre sexos opostos. Como recompensa ou, simplesmente, conseqüência deste amor que fez as flores desabrocharem, ela "cuidou" dele, ornando-o, e ele a apresentou aos seus.

O último conflito foi a aceitação na comunidade, da mesma forma que é difícil para uma prostituta, ou qualquer mulher que fuja dos padrões estabelecidos pela sociedade, ser aceita. As pessoas não reconheceram o filho da aldeia e a mãe retomou seu papel vindo identificá-lo. A decisão do final feliz foi dela. As outras mulheres demonstraram sua revolta tentando matar Karabá e, somente, pararam quando viram os homens se aproximando. Elas recuperaram o que estava perdido. Os "filhos pródigos" voltaram para casa favorecendo o retorno da paz.

Concluiremos dizendo que as mulheres tiveram um papel fundamental durante toda a obra e, sobretudo, no início e no final da narração, fazendo com que as ações fossem, sutilmente, propiciadas por elas. Mãe e feiticeira foram o segmento uma da outra, completaram-se. Kirikou foi, meramente, o laço entre as duas e foi isso que o transformou em Herói. Ele libertou todos os outros homens porque "conquistou" para si, Karabá.

Referências

Bíblia Sagrada. Ed. Ave-Maria, 131ª Edição, São Paulo, 1999.
HUNDZINSKI DAMASIO, Celuy Roberta. "Identidade, Igualdade, Diferença – o olhar da história" In: Revista Espaço Acadêmico, n° 79, dezembro de 2007.
HUNDZINSKI DAMASIO, Celuy Roberta. "Mulheres Fazendo a História" In: Revista Espaço Acadêmico, n° 58, março de 2006.
OCELOT, Michel. Kiriku e a Feiticeira. Ed. Paulinas Multimídia. Cultifilmes França/Bélgica, São Paulo, 2002
PERROT, Michelle. Les femmes ou les silences de l'histoire. Paris, Flammarion, 1998.
* CELUY ROBERTA HUNDZINSKI é DEA em Filosofia pela Universidade Paris X – Nanterre; Master II na Sorbonne; Tradutora e Assistente de Educação. Publicado na REA, nº 82, março de 2008, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/082/82damasio.htm
[1] A resenha deste livro, intitulada Mulheres Fazendo a História, pode ser encontrada na Revista Espaço Acadêmico – n° 58 – março de 2006. Também pode ser consultado o texto Identidade, Igualdade, Diferença – o olhar da historia na REA – n° 79 – dezembro 2007.
[2] Daí a origem da fama da mulher como "faladeira" ou, até mesmo, "fofoqueira".
[3] Tradução nossa.
[4] Esposas daqueles maridos que existem mas nunca estão presentes.

[5] Essa semelhança com a história bíblica confirma-se mais ao final do filme, quando o pequeno engana a serpente "vencendo-a".
[6] Uma mulher, no episódio da canoa, deixa a faca cair (é Kirikou quem a pega pra ir salvar as crianças). As mulheres, em cenas similares, sempre mostram-se inertes diante das maldades.
[7] Podemos observar, também, que o velho habitante da aldeia, apesar de temeroso, não está sujeito à Karabá, provando mais uma vez que este "feitiço" pode ser traduzido como "sexo", excluindo crianças e idosos.




Fonte: Espaço Acadêmico/ Geledés Instituto da Mulher Negra


quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Ação colorida e feminista para a Parada da Diversidade


Com o tema " FELICIDADE É TER DIREITO" os grupos/coletivos/instituições Fórum de Mulheres de PE, Liga brasileira de Lésbicas, Bloco Ou vai ou Racha, Coletivo Flores Crew, Marcha das Vadias, SOS Corpo, GEMA UFPE, Levante Popular da Juventude, Curumim, Instituto PAPAI e Além do Arco-Iris, vai nessa quinta feira, 12 de Setembro, promover uma ação colorida e feminista, e nós do Coletivo Flores Crew estaremos customizando camisas para a Parada da Diversidade.




Além de pintar as camisas, o Flores crew vai tá pintando a faixa abre-ala da ação, traga sua camisa para pintar, é de graça/0800/free, você também poderá adquirir adesivos exclusivos e artesanais do nosso coletivo com preços promocionais, venha nos ajudar a deixa nossa faixa colorida e com a nossa cara, das mulheres que lutam por sua felicidade.

Onde: SOS Corpo R.Real da Torre, Nº 593,
 Madalena, Recife-PE
Hora: A partir das 14h



domingo, 8 de setembro de 2013

Gênero, sexualidade e gravidez na adolescência





Hoje à tarde foi no Instituto Vida, em Água Fria, o Coletivo Flores Crew compareceu a devolutiva realizada pela pesquisadora e Dra. Jaileila de Araújo e sua equipe sobre gênero, sexualidade e gravidez na adolescência, voltado para mulheres ligadas ao Movimento Hip Hop. Uma tarde de troca de saberes e experiências, muito rica e satisfatória.




Grafiteiras afegãs tentam apagar os sinais da guerra com arte


Por Márcia Garbin



Nos últimos tempos o cenário de violência tem tomado conta do Afeganistão. Mas duas mulheres, as primeiras grafiteiras do país, se uniram para mudar essa realidade através da arte.

A dupla Shamsia Hassani e Malina Suliman além de cobrir os sinais da guerra nas ruas com belíssimos grafites, elas usam a arte urbana para encorajar outras mulheres afegãs a lutarem pelos seus interesses e exigirem igualdade na sociedade islâmica.

Apesar da força de vontade, o caminho para elas nem sempre é fácil, tanto é que se arriscam com o spray saindo escondidas durante a noite. Só assim conseguem grafitar mensagens com críticas políticas pelas ruas e desenhos que simbolizam as palavras que elas querem dizer mas não o fazem porque no Afeganistão não lhes dão voz.  
E a luta não para! Atualmente ambas dão workshops para formar novos artistas e apoiam projetos que visam popularizar o acesso a arte contemporânea no país.




Fonte: Virgula.Uol

sábado, 7 de setembro de 2013

“O pior é um preto racista:”


 Quando apontam o oprimido como seu próprio opressor




Na cidade de Charlotte, Estados Unidos, a pastora negra Makeda Pennycooke pediu para que “apenas pessoas brancas” trabalhassem na recepção de fiéis, alegando a “importância da primeira impressão” e justificando que a igreja quer “o melhor do melhor nas portas da frente”. Lamentável! Mas não vou entrar na discussão de como instituições religiosas cristãs perpetuam e reforçam o racismo, o machismo e outros ismos no mundo.

Nas últimas semanas, o que eu ouvi e li — inclusive nos comentários dessa matéria — sobre como existem “negros racistas” que reproduzem discursos e estereótipos também racistas não está nos hieróglifos egípcios (muita gente não sabe, mas o Egito fica no continente africano). Concordo que há pessoas negras que reproduzam discursos racistas. Infelizmente, é esperado que elas existam dada a configuração escravocrata e racialmente desigual na qual se construiu o Brasil.

“Peraí, mas a pastora não é brasileira”, você poderia afirmar. Correto! Ela não é, mas consigo visualizar essa cena acontecendo explicitamente aqui, em terras tropicais, num templo neopetencostal — e de modo mais mascarado em outras instituições religiosas ou não. Por mais que as relações étnico-raciais no Brasil e nos EUA tenham se configurado de forma diferente, a reprodução de discursos racistas por pessoas negras é algo que acontece nas duas nações. O que não se pode afirmar é que essas pessoas negras são racistas. Elas não são. Afinal, não há relação de ganho ou de benefícios quando um negro oprime a si mesmo ou ao seu par. Explico melhor.

Lembremos que quem criou esse cenário de opressão não foi o povo preto. Mas sim os brancos que, durante séculos, estruturaram tão bem a inferiorização do negro a ponto de ele mesmo estigmatizar seu par e seu grupo. Um exemplo declarado dessa construção é a carta-tutorial escrita em 1972 por Willy Lynch, proprietário de escravos no Caribe conhecido por manter controle absoluto sobre os corpos negros que foram colocados em suas mãos (para saber mais, aqui). O documento ensina como deixar os escravos submissos e dominados “Verifiquei que entre os escravos existem uma série de diferenças. Eu tiro partido destas diferenças, aumentando-as. Eu uso o medo, a desconfiança e a inveja para mantê-los debaixo do meu controle (…) Deveis usar os escravos mais velhos contra os escravos mais jovens e os mais jovens contra os mais velhos. Deveis usar os escravos mais escuros contra os mais claros e os mais claros contra os mais escuros”. Por fim, o autor completa “Se fizerdes intensamente uso delas por um ano o escravo permanecerá completamente dominado. O escravo depois de doutrinado desta maneira permanecerá nesta mentalidade passando-a de geração em geração”.

Imagem de pichação racista na UFBA “Negro só se for na cozinha do RU, cotas não"

Foram (e são) séculos de doutrinação e mentalidade racistas passadas de geração em geração. No campo simbólico, os discursos e estereótipos racistas são algumas das ferramentas desse processo de dominação – ambas contribuem para delimitar e limitar o espaço do povo negro na sociedade. Elas (essas ferramentas) reduzem o indivíduo-alvo a meia dúzia de características que vão, além de estigmatizá-lo, determinar o lugar onde ele pode se construir enquanto ser social. Isto é, dizer o que o oprimido deve ou não ser, como deve ou não se portar e até onde pode chegar. No caso da pastora, pessoas negras não podem ser recepcionistas, não podem estar na fachada da igreja porque isso não é o melhor. O “melhor do melhor” é sinônimo de ser branco. No Brasil não é diferente: nas capas de revistas não há preto, nas novelas não há preto, nas dirigências de órgãos e instituições não há pretos... Também porque aqui branco é sinônimo de “melhor do melhor” e esse é quem tem que estar nos espaços de destaques, de frente e de contato com o outro, enquanto o preto fica à margem, nos bastidores.

É preciso entender que o processo de dominação foi tão bem introjetado que os próprios oprimidos podem sim reproduzir e contribuir para a opressão que o dominante construiu, mas não tiram benefícios como os reais opressores. A pastora Pennycooke não é racista, tal como os negros apontados como racistas nas últimas semanas. Para os tacharem de racistas, seria preciso que houvesse um dominante que fosse beneficiado às custas do dominado, como o proveito que branco tira do negro que ele historicamente inferiorizou. No caso apresentado, Pennycooke, enquanto pessoa negra, não teve ganho para si mesma ou para o grupo étnico ao qual faz parte. Muito pelo contrário: ela prestou um desserviço, contribuiu para a legitimação de que o negro não deve ocupar certas posições e reforçou a suposta supremacia branca em relação a outras etnias que vive no imaginário da maioria da sociedade.

Isso o que Pennycoke fez e, com certeza, que outros negros fazem não deve servir de estopim para racistas legitimarem seu discurso a partir do “não estou sendo preconceituoso se o próprio negro é diz/faz isso ou aquilo”Mas deve sim ser desconstruído; entendido como um sistema que colocou suas vítimas contra elas próprias, fazendo-as comprarem os discursos do seu algoz; e ensinado o quão prejudicial é para o povo negro a reprodução de falas racistas.

E vou além: para os que só veem “negros sendo racistas”, afirmo que, nesse exclusivo apontamento do oprimido como seu próprio opressor, há mais um tentativa desesperada de se livrar da responsabilidade pelo próprio racismo e manter o status quó de opressão do que fazer um mundo menos intolerante — não cola!



Fonte:  Higor Faria é preto, publicitário, estuda masculinidade negra e escreve no //medium.com/@higorfaria


sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Conversa sobre gênero, sexualidade e gravidez na adolescência




No próximo domingo dia 08, o Instituto Vida convida as mulheres do Movimento Hip Hop do Recife para um bate-papo sobre gênero, sexualidade e gravidez na adolescência, o encontro viso promover uma devolutiva referente a pesquisa "Significado da gravidez na adolescência no contexto do movimento Hip Hop" da pesquisadora e Dra. Jaileila de Araújo.

Quando: Domingo dia 08 de setembro
Horário: 14h
Local: Sede do Instituto Vida -  Estrada Velha de Água Fria 1463 - Recife / PE



Estrada Velha de Água Fria 1463 - Recife / PE




domingo, 1 de setembro de 2013

MEC anuncia programa de intercâmbio para estudantes negros e indígenas






Por: Mariana Tokarnia - Agência Brasil

O Ministério da Educação (MEC) anunciou no último dia (28) um programa de intercâmbio voltado para estudantes do ensino superior negros e indígenas. O Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento será desenvolvido em parceria com Universidades e Instituições Comunitárias de Ensino Superior Historicamente Negras nos Estados Unidos. Parte das bolsas de estudo será oferecida pelo Programa Ciência sem Fronteiras (CsF) e parte será destinada aos cursos de humanas.

As Universidades Historicamente Negras foram criadas na década de 60 com a missão de educar negros, sendo abertas, no entanto, a indivíduos de todas as etnias. Para aderir ao programa, as universidades devem ter comprovada excelência. São mais de 100 instituições com essas características nos Estados Unidos.

Segundo Mercadante, 18 reitores estão no Brasil para detalhar o programa Abdias Nascimento, cujo nome é uma homenagem ao político e ativista social brasileiro defensor da cultura e igualdade para as populações afrodescendentes no Brasil. Eles deverão definir quantas vagas serão ofertadas aos estudantes brasileiros negros e indígenas.

As bolsas ofertadas pelo CsF serão para as áreas prioritárias do programa, que são ciências exatas (matemática e química), engenharias, tecnologias e ciências da saúde. Mercadante disse que serão oferecidas vagas também para a área de humanidades, para a formação de professores, "o que faz sentido, pela especificidade [do novo programa]", explica.

O coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, Paulino Cardoso, diz que o programa é uma ação muito importante para que os pesquisadores negros deem um salto na educação brasileira. "Hoje o Brasil, e principalmente aqueles que fazem parte de um grupo dirigente, dividem-se entre aqueles que têm e aqueles que não têm uma experiência internacional, sejam eles estudantes de graduação, sejam professores. O programa vai permitir a intensificação do intercâmbio entre esses estudantes e da língua inglesa no país".



Edição: Fábio Massalli
Fonte: EBC